sábado, 16 de fevereiro de 2013

Até onde prevalece o “Pacta sunt servanda”




AS LIMITAÇÕES DOS JUROS NOS
CONTRATOS DE FINANCIAMENTOS

As Instituições Bancárias e Financeiras criaram um sistema de cobrança, que chega a levar o devedor a tamanho stress, que via de regra acaba por causar o suicídio.

Quando acionadas, estas instituições alegam em sua defesa o Pacta sunt servanda, ou seja, o que foi tratado deve ser respeitado, ou de outra forma os acordos devem ser cumpridos. O que não deixa de ser um princípio básico do Direito Civil e do Direito Internacional.

No nosso dia-a-dia, o princípio pacta sunt servanda refere-se aos contratos privados, enfatizando que as cláusulas e pactos e ali contidos são um direito entre as partes, e o não cumprimento das respectivas obrigações implica a quebra do que foi pactuado.

Há, entretanto, um limite ao pacta sunt servanda é o jus cogens que na nossa língua significa Direito Cogente, que são as normas peremptórias gerais do direito internacional, inderrogáveis pela vontade das partes, ou seja, mesmo que se pactue determinadas situações estas são anuláveis pelo direito cogente, que se pode traduzir, o que é racionalmente necessário e que pode ser imposto pela lógica, como por exemplo, caiu a limitação constitucional, mas vem sendo aplicada a lei de mercado, como a taxa Selic, já que se trata de um argumento totalmente sólido cujas premissas são todas verdadeiras e que determina a intersubjetividade cogente da essência do Direito e consagra a valoração do justo no seu ser.

Efetivamente a limitação constitucional dos juros em 12% não existe mais, por ter sido retirada por meio da Emenda Constitucional nº 40/2003. Com a referida emenda houve supressão do parágrafo 3º, do art. 192, da Constituição da República. Cabe salientar, entretanto, ainda que com a retirada da Constituição da República do dispositivo que tratava da limitação dos juros os bancos e instituições financeiras, estas não podem aplicar taxas de juros a seu bel prazer, pelo menos no Estado de São Paulo, o Tribunal de Justiça, implicitamente, manda aplicar sua Tabela Prática, para atualiza os valores das condenações onde se aplica 1% ao mês, ou 12% ao ano.

O que nos causa espécie é, ainda que poucos, pelos diferentes entendimentos em julgados de primeira e segunda instâncias, cujos motivos, por vezes inconfessáveis, tendem a favorecer as instituições bancárias e financeiras em detrimento dos mais vulneráveis, sobre este assunto comentaremos em outra oportunidade.

Todavia presume-se que apesar da retirada do limite de 12% da Constituição da República não existe plena liberdade para os bancos e instituições financeiras no que diz respeito aos juros cobrados. Identificou-se a possibilidade de controle do equilíbrio contratual pelo Poder Judiciário. Conseguiu-se, também a possibilidade da intervenção do Poder Judiciário para o devido ajuste do contrato, com fundamento em numerosos princípios, em especial o da função social do contrato e da boa-fé, sempre que se comprovar discrepância entre a taxa cobrada pelo banco ou instituição financeira do consumidor com a média de mercado para operações da mesma espécie.

Neste sentido foi o que Determinou o eminente Dr. Cassio Modenesi Barbosa, Juiz de Direito da 3ª Vara Judicial do Foro de Vila Mimosa, Comarca de Campinas-SP, ao proibir o Banco Itaú S/A de levar aos órgãos de proteção ao crédito o nome de correntista, bem como de o retirar se lá já estivesse, sob pena de multa de R$ 5.000,00, por dia de descumprimento e ainda proibiu que o banco, por seus prepostos, fizesse cobrança ao correntista, sob pena de multa igual a R$ 20.000,00, por cobrança efetuada.

Eis o histórico do que foi comentado acima.

Em janeiro de 2010, distribuímos uma AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS C.C. REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO em face do Banco Itaú S/A, nela pleiteávamos em nome de nosso cliente que o banco apresentasse em Juízo o contrato de abertura de conta corrente, crédito a título de limite, cheque especial e os que se seguiram e mais os comprovantes de todos os pagamentos realizados; saldo devedor; planilha dos cálculos; explanações de juros cobrados e/ou outras pertinentes ao caso.

O Banco Itaú, se recusou em apresentar o que lhe foi Determinado, pelo MM. Juízo da colenda 3ª Vara Judicial do Fórum de Vila Mimosa - Regional de Campinas, diante dessa recusa não restou outra alternativa ao MM. Juiz senão proferir o seguinte Despacho interlocutório:

  • I. A prova pericial está preclusa por conta e responsabilidade única e exclusiva do réu, que se recusa a trazer para os autos os documentos que lhe foram requisitados pela Sr.ª Perita, conforme se esclarece na petição de fls. 106/111.
  • II. Com esta estratégia, obsta o réu se se alcance a possibilidade se definir o valor contratualmente correto, razão pela qual DEFERE-SE a tutela antecipada para IMPOR ao réu a obrigação de não fazer consistente em se abster de levar o nome do autor aos órgãos de proteção ao crédito, sob pena de multa igual a R$5.000,00 por dia de descumprimento desta determinação.
  • III. Via de consequência, como o réu impede que a Justiça possa se manifestar acerca da questio iuris ora debatida, não está o autor, doravante obrigado a pagar os valores reclamados pelo réu, até que se resolva o impasse por ele criado. 
  • IV. Impõe-se ao réu, igualmente, obrigação de não fazer consistente, agora, na abstenção de qualquer ato de cobrança frente ao autor, sob pena de multa igual a R$20.000,00, por cobrança efetuada. 
  • V. Esclareça-se que o valor aparentemente alto das astreintes se faz necessária em razão da conduta antijurídica do réu que se pretende Juiz da causa ao sonegar dos autos os documentos indispensáveis à solução da lide.
  • VI. Int. e cumpra-se. 
Eis o texto integral da Sentença, com diagramação nossa. 

I – RELATÓRIO. 

1. Pede S. J. R. S. em face do BANCO ITAÚ S/A a exibição de documentos mais a revisão dos contratos de financiamento firmados, repetindo-se em dobro o indébito indevidamente cobrado, uma vez desconhecer as condições contratuais firmadas. 

1.2. Processada sem antecipação de tutela e com Justiça Gratuita (fls. 21) e com justiça gratuita (fls. 30), respondeu o réu, após articular preliminares, encontrar-se o contrato firmado dentro da regência legal, devendo-se respeitar o princípio do pacta sunt servanda (fls. 25/57). Sem réplica (fls. 60). 

1.3. Após ter o réu apresentado novos documentos (fls. 62/75), foi o feito saneado (fls. 76), mas a perícia frustrou-se por responsabilidade do réu (fls. 112), agravando o réu deste comando (fls. 114/126). 

II – FUNDAMENTAÇÃO. 

2. A questão debatida nos autos não pôde aprofundar-se porque o réu não apresentou os documentos reclamados pela Srª. Perita e, se a perita se viu obstaculizada pela ação omissa dele, naturalmente que todos os ônus lhe serão carreados como medida de justiça sob pena de se inverter o brocardo segundo o qual a ninguém é dado beneficiar-se de própria torpeza. 

2.1. E observe-se que o réu não se opôs à realização da perícia, tanto é que apresentou quesitos a serem respondidos (fls. 79). Ocorre que os documentos que apresentou a fls. 62/75 e 100/102 – intermediados pelo pedido de prazo de fls. 97 – não eram o suficiente para a realização da investigação técnica, como por duas vezes (fls. 81/93+106/111) destacou a Srª. Perita. 

2.1.1. Diante deste quadro outra não podia ser a atitude do Juízo a não ser o comando de fls. 112. E o réu, ao invés de curvar-se ao Poder Judiciário, colaborando (CPC-14, II e V), ainda se socorre da superior instância para procurar convalidar o arbítrio com que se tem havido nos autos (fls. 114/123), mas em boa hora rejeitado o pedido suspensivo (fls. 125). 

2.2. Ora, se o réu dolosamente procura manipular a apuração da verdade contábil nos autos, naturalmente que litiga de má-fé, além de não poder se opor aos reclamos formulados pelo autor, que deverão ser aplicados a todos os contratos existentes, sejam aqueles instrumentais, sejam aqueles aperfeiçoados diretamente na boca do caixa. 

2.2.1. O quantum debeatur deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença, uma vez consolidados os parâmetros dos cálculos futuros, dentro dos limites reclamados pela inicial. 

2.2.2. Naturalmente que aquilo que tiver sido cobrado além dos parâmetros determinados pela Lei aos contratos entre privados, independentemente de ser ou não instituição financeira, caracterizará cobrança indevida a ser repetida em dobro. 

2.2.2.1. Nem se argumente no sentido de que a relação jurídica estabelecida é regida por normas especiais, pois, sonegado os documentos indispensáveis dos autos pelo réu, não pode ele reclamar proteção legal para negócios cujos termos são desconhecidos nos autos. 

2.3. Quanto ao mais não está o juiz obrigado a responder a todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um os seus argumentos (RJTJESP 115/207). Ainda: embargos de declaração do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo nº. 239.120-1 e 241.607-2, mais RT 570/102. E, no mesmo sentido, afirmou o Desembargador Ivan Sartori ao relatar a Apelação nº 17.942-4/2, junto à 5ª Câmara de Direito Privado, que o magistrado não está obrigado a abordar todas as questões levantadas pelas partes, quando já encontrou motivo suficiente ao desfecho que vem proclamar. Não por outro motivo, pontificou o Min. Asfor Rocha: “o juiz deve resolver as questões postas pelas partes, não estando obrigado a reportar-se especificamente a cada um dos argumentos invocados” (REsp. 73.543/RJ). 

III – DISPOSITIVO. 

3. Logo PROCEDENTES os pedidos iniciais para: 

(a) DETERMINAR a consolidação dos valores dos empréstimos, que conhecerão correção monetária pelos índices do Tribunal de Justiça, mais juros de mora iguais a 1% a.m., contados do vencimento de cada parcela, calculados linearmente, excluídos todos os demais encargos quaisquer que sejam eles. 

(b) O quantum cobrado a maior deverá ser repetido em dobro, corrigidos da mesma maneira. 

(c) A Sr.ª Perita já nomeada nos autos será intimada a realizar os cálculos de liquidação uma vez transitada em julgado esta decisão. 

(d) Eventual crédito apurado no final dos cálculos será executado pela parte beneficiada nestes autos. 

(e) Definitiva se torna a tutela concedida a fls. 112, que passa a fazer parte integrante desta decisão. 

(f) Indenizará o réu o autor em 20% do valor da causa (STJ-AI nº. 639.308-Ag.Rg.-.EDcl.), pela litigância de má-fé (CPC-14, II e V, c.c. 17, I, II, V,+18, § 2º). 

(g) Custas e honorária igual a 20% do valor da causa, pelo réu.

P.R.I.C. 

                                              Campinas, 07 de Janeiro de 2013. 

                                          CASSIO MODENESI BARBOSA 
                                                       Juiz de Direito


Fonte: TJSP Processo Nº 0001457-63.2010.8.26.0084

Obs. Os comentários são de nossa inteira responsabilidade e quanto à publicação do teor do processo em si, estamos autorizados a publicar, uma vez que a procuração nos reserva o direito de, entre outras coisas, a falar por si, por outro lado trata-se de sentença pública de acesso irrestrito.
O Cartoon ilustrativo encontramos através do Google e não havia identificação de autoria.


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